domingo, 23 de janeiro de 2011

''Prioridade é criar um novo marco legal''

Alexandre Gonçalves - O Estado de S.Paulo

Glaucius Oliva, diretor de Engenharia, Ciências Humanas, Exatas e Sociais do CNPq

A ciência deve estar alinhada às demandas da sociedade e é preciso promover a pesquisa e a inovação no ambiente empresarial. Esta é a opinião do diretor de Engenharia, Ciências Humanas, Exatas e Sociais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Glaucius Oliva, que deve assumir a presidência do órgão na próxima quinta-feira. Em entrevista exclusiva ao Estado, Oliva afirmou que um dos grandes entraves à ciência no País é a sobrecarga gerada sobre o pesquisador por questões administrativas. Disse ainda que é preciso valorizar, na avaliação do mérito acadêmico, a inovação e o engajamento em atividades de divulgação científica, diminuindo a ênfase no número de publicações.

Quais os desafios da ciência brasileira nos próximos anos?

A ciência precisa estar contextualizada com as demandas da sociedade. Precisamos promover a pesquisa e a inovação no ambiente empresarial. Incluir a questão da sustentabilidade ambiental, econômica e social em todos os projetos. O Brasil não deve mais se preocupar em aumentar o número de publicações e sim em buscar qualidade, impacto e relevância. Finalmente, a internacionalização. É preciso participar de projetos colaborativos conduzidos por equipes multinacionais. Não basta o intercâmbio de pessoas.

Como atingir esse ideal?

Precisamos modernizar o sistema de avaliação e introduzir fatores que garantam a qualidade e promovam as abordagens multidisciplinares. A modernização da gestão, avaliação e acompanhamento é uma forma de fazer o sistema caminhar na direção da qualidade.

Como fazer a modernização?

Uma prioridade é a criação de um novo marco legal, que atenda às necessidades de gestão de recursos, importações e contratação de pessoas. É preciso lutar para ter uma lei que ampare a aplicação de recursos de forma mais ágil, desburocratizada e eficiente. Iniciamos, no ano passado, um programa para avaliar o que as agências internacionais equivalentes ao CNPq estão fazendo. Estamos vendo como a National Science Foundation americana, o National Institutes of Health e os Research Councils da Inglaterra estão lidando com essa questão. Olhamos também para Austrália e Japão. Fazemos workshops com pessoas desses países para elaborar uma proposta que será discutida com a sociedade.

Há clima político para construir esse marco legal?

Hoje nós temos um ministro de Ciência e Tecnologia que é uma liderança política. Não há oportunidade melhor do que esta. Ele conhece a área com detalhes e, ao mesmo tempo, conhece todos os meandros políticos. Outro desafio importante vai ser a expansão e a sustentabilidade dos recursos para acompanhar o crescimento do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. Nos últimos cinco anos, nós tivemos a incorporação de 15 mil novos pesquisadores ao sistema e vamos precisar de mais recursos para que esses indivíduos tenham condições de fazer pesquisa de qualidade.

Como conseguir recursos?

Acho que temos bons instrumentos. Um deles é o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que é alimentado pelos fundos setoriais (financiados pelos agentes econômicos de cada setor). O CNPq também faz convênios com ministérios que têm interesse e recursos para projetos de pesquisa. Uma terceira fonte é o trabalho junto às fundações estaduais de amparo à pesquisa. Em vez de lançar editais nacionais, o CNPq tem procurado os Estados para lançar editais que atendam às demandas regionais. A gente coloca recursos e eles dobram o valor. Isso tem feito crescer os recursos para ciência e tecnologia no País.

O que fazer para estimular a inovação?

Já temos ações importantes, como o Programa de Capacitação de Recursos Humanos para Atividades Estratégicas (RHAE), que oferece bolsas para incluir e fixar graduados, mestres e doutores nas empresas. Na última chamada, tivemos cerca de 400 propostas e 47 foram atendidas. Isso mostra que há demanda. Também criamos editais para apoiar os Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) das universidades. São eles que fazem a interface entre os cientistas e as empresas. Esse tipo de ator é o que mais faz falta no sistema. No ano passado, no edital do Programa Nacional de Pós-doutoramento, separamos bolsas exclusivas para doutores que pretendiam se inserir em empresas ou NITs. É preciso avançar na forma de avaliação, para dar crédito às atividades de inovação. O mesmo vale para a área de difusão da ciência. A sociedade precisa estar informada sobre o que estamos fazendo. Até para nos defender, por exemplo, na hora de fazer cortes no orçamento federal. Educação, Ciência e Tecnologia são as primeiras a sofrer cortes e parte da culpa é nossa, dos cientistas, que ainda não encaramos como parte essencial de nossa missão divulgar a ciência. As pessoas ainda acham que divulgação é perfumaria, mas é questão de sobrevivência.

O pesquisador no Brasil dá aula, pesquisa e ainda é administrador. Existe a ideia de criar uma carreira de pesquisador em tempo integral?

Essa carreira não existe nas universidades, mas existe nos institutos de pesquisa, como o Butantã e o Instituto Agronômico de Campinas. Sou um professor nato e gosto muito do modelo da ciência associada à transmissão do conhecimento. O Brasil ainda é um país jovem e precisa educar seus jovens. Mas a sobrecarga administrativa é, de fato, um entrave. No ano passado, a Universidade de São Paulo (USP) cedeu um técnico administrativo para cada INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia). Outras universidades vão ter de se adaptar e, para isso, será preciso negociar com o Ministério da Educação.

Quais áreas o sr. considera prioritárias?

O próximo plano de ação vai levar em conta a discussão feita na 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia do ano passado. O tema central foi ciência sustentável. Transformar toda uma indústria que hoje depende da petroquímica em uma indústria sustentável. Economia de baixo carbono e energias alternativas são áreas tão prioritárias para o País quanto eram no passado a biotecnologia, a nanotecnologia e a agricultura. Devemos continuar apoiando as tecnologias de comunicação, espacial e nuclear, sem menosprezar as ciências sociais e humanas, que ajudam a interpretar isso tudo.

Dizem que hoje quem faz pesquisa no Brasil são os mestrandos e doutorandos. Nos países desenvolvidos, quem faz pesquisa é o pós-doutorando.

Aqui também isso está aumentando. No CNPq temos cerca de 2 mil bolsas de pós-doutorado, 10 mil de doutorado, 12 mil de mestrado e 35 mil de iniciação científica. Agora é o momento para investir no pós-doutorado. Mestres e doutores precisam fazer a tese em dois anos. Se depender só deles, as pesquisas serão pouco ousadas.

São Paulo recebe um quarto dos recursos do CNPq, mas é responsável por metade da produção científica nacional. Não seria justo aumentar essa verba?

No edital universal, com 15 mil projetos, 23% da demanda era de São Paulo. Entre os projetos atendidos, 24% eram paulistas. Não vejo discriminação. A razão do sucesso econômico do Estado foi o forte investimento em ciência. E tem de continuar investindo mais que o resto do Brasil para manter a liderança. Mas de que adianta ter só São Paulo desenvolvido e não ter para quem vender carro, televisão, geladeira ou para onde exportar seus doutores? A gente só se fortalece se o Brasil crescer como um todo.

É possível diminuir a burocracia dos mecanismos de avaliação de projetos e gastos?

Todos os processos do CNPq são informatizados: a submissão de projetos, a avaliação, a prestação de contas. O que entrava a boa execução da pesquisa é a dificuldade de mudança de alínea (destinação do gasto), mas isso não é culpa do CNPq. Quando recebemos os recursos do Ministério do Planejamento, já vem determinado o que é para custeio (insumos e manutenção) e o que é para capital (equipamentos). Às vezes os pesquisadores resolvem mudar a destinação do gasto e depois fazem a prestação de contas, mas o CNPq não pode aceitar.

Pesquisadores dizem que o sistema de importação do CNPq, o Importa Fácil, é difícil.

O Importa Fácil tem etapas e, se você estiver treinado, é fácil. Estamos preparando um curso de educação à distância para ajudar os pesquisadores. Mas vale a pena lembrar que a importação no Brasil é mais difícil que nos EUA porque há isenção de impostos para os produtos para pesquisa. O pessoal reclama que a Anvisa é um entrave à importação, mas o FDA (órgão de vigilância sanitária nos EUA) é muito mais restritivo. Lá não há atraso porque o fornecedor tem estoque. Aqui, a isenção inviabiliza o surgimento desses fornecedores.

São necessários mais recursos para os periódicos nacionais?

O grande desafio é ter algumas boas revistas, com visibilidade internacional. Não precisamos de 7 mil revistas, como hoje. Uma maneira de financiá-las seria adotar políticas de acesso aberto. A agência de fomento e o pesquisador pagam pela publicação e o acesso a ela é aberto. Assim você seleciona as melhores. O mercado é que vai identificar quais as revistas que os cientistas preferem publicar. / COLABOROU KARINA TOLEDO


QUEM É

Professor titular do Instituto de Física de São Carlos (USP). No fim do ano, completará 30 anos da sua carreira como docente na universidade. Em 2009, foi o candidato mais votado para o cargo de reitor da USP, sendo preterido pelo então governador José Serra. É atualmente diretor de Engenharias, Ciências Exatas e Humanas e Sociais do CNPq. Deve assumir a presidência do órgão no dia 27.

Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110123/not_imp669956,0.php

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